A história que repetia para tirar 20 outra vez
Este é dos longos, mas se estás a fazer a tese é porreiro :)
Aqui podes ver a minha dissertação:
ria.ua.pt/handle/10773/44118
Aqui podes ver a minha apresentação:
apresentação.pdf
Antes já está meia nota definida
A nota da tese é muito influenciada antes sequer de existir tema ou orientador. No início é preciso perguntar “quanto é que eu quero ter na tese” e, a partir daí, visualizar o tamanho do trabalho que vem a seguir. Esta resposta vai mexer com tudo o que fazemos, desde a escolha do orientador até à forma como escrevemos a dissertação.
Também é importante perceber o peso que este documento tem na vida do estudante. Em muitos casos é a única peça de legado que este deixa na instituição. Além disso, a tese traz um ponto muito pessoal de cada um de nós, que é a página dos agradecimentos, e isso aumenta a responsabilidade porque estamos a colocar ali os nomes das pessoas que mais gostamos.
Escolha do Tema e do Orientador
Depois vem a escolha do tema e do orientador. Aqui é preciso juntar duas coisas: os temas em que gostamos de trabalhar e os professores com quem queremos trabalhar.
Devemos falar com o professor e com os alunos que já foram orientados por ele. Do lado do professor queremos perceber o método de trabalho e a disponibilidade, e é importante dizer logo qual é o nosso objetivo. Do lado dos alunos interessa saber como foi a experiência e que nota tiveram. Isto ajuda a perceber o ambiente em que nos vamos inserir e a fazer uma escolha mais consciente.
Aproveito para partilhar o que aconteceu no meu caso. Na minha primeira reunião com o professor, ainda antes da atribuição dos temas, disse-lhe que tinha objetivos altos e que queria ter uma reunião todas as semanas com ele. Isto, junto com o facto de o tema também ser muito interessante para ele, fez toda a diferença no acompanhamento e no desempenho do docente. De notar que este professor já tinha alguma relação de amizade comigo, por causa do interesse que eu mostrava dentro e fora das aulas. Hoje considero-o um grande amigo e vou estar grato toda a vida pelo acompanhamento que me deu e pelas portas que me abriu. Para quem não conhece, é o Prof. Pedro Prates.
Barco à Deriva (Início)
Entretanto já temos objetivo, tema e orientador. Falta montar o sistema à volta para trabalhar de forma organizada. Isto foi o meu exemplo:
- Para comunicações - Teams.
- Para gerir o tempo - calendário (Google).
- Para armazenamento de conhecimento - Miro.
- Para armazenamento e gestão de artigos - Mendeley.
- Para escrita do documento - Overleaf.
- Para eficiência - ChatGPT.
Para o GPT, na prática, customizamos dois modelos.
Um é o "GPT-Prof 2.0" com conhecimento customizado na área e acesso à nossa documentação. O outro é o "GPT-Escriba" dedicado à redação científica, ajustado ao nosso estilo e restrito a reescrever conteúdo criado por nós.
Para ajuda adicional é muito importante estabelecermos contacto com um conjunto de amigos especialistas em áreas relevantes que nos possam ser úteis.
Agora é a altura de sentir na pele que somos um barco no meio do oceano, meio à deriva. Vamos ligar os motores numa direção clara, que é a compreensão do tema, do problema e dos objetivos. Se ainda não existirem objetivos definidos é importante defini-los cedo e aceitar que podem mudar à medida que o trabalho avança. Com estes objetivos na mão, desenhamos um plano que, lamento informar, não irá representar claramente a realidade. Outro aspeto importante é garantir acesso à grelha de avaliação usada para atribuir as notas às dissertações.
Para compreender o tema, convém que o orientador sugira alguns conteúdos que sirvam de “núcleo”. Pode ser documentação de qualquer tipo, mas, de preferência, teses de doutoramento. Depois de termos essa documentação base no Mendeley começamos a estudar e a guardar o conhecimento no Miro. As dúvidas que surgem e as respostas que vamos encontrando devem ficar lá guardadas para podermos voltar a elas quando for necessário. Se o professor autorizar, também devemos gravar o áudio das reuniões para ouvir mais tarde com atenção. Numa fase inicial é importante definir a estrutura do documento, mas há uma parte particularmente interessante que é a escrita do estado da arte. Quando temos boa documentação núcleo, podemos recolher toda a informação e montar uma estrutura à volta da mesma para criar um estado da arte baseado apenas naquilo que nos é mais relevante. A partir daí é fazer prática e escrita em paralelo, sendo que isto é crítico para estimular o raciocínio e consolidar o conhecimento.
Iterações (Lean)
O conceito de construção do documento passa por trabalhar em esboços, os MVPs, que vamos validando com o orientador ao longo do trabalho. Ou seja, escrevemos o rascunho de um capítulo e validamos com o professor à medida que o texto vai ganhando forma. Isto é importante para não gastar tempo e energia em caminhos que não fazem sentido para a dissertação.
Estes esboços têm sempre um propósito e devem ser escritos por nós, com base no conhecimento que fomos adquirindo. Aqui queremos usar o GPT-Prof 2.0 para estruturar e organizar os conceitos que queremos no documento. Mais tarde, depois de o capítulo estar validado, iteramos com o GPT-Escriba para refinar detalhes daquilo que começou como esboço.
Devemos respeitar sempre as regras da universidade sobre ferramentas de IA e referir claramente a utilização das mesmas. Também é importante não deixar o GPT gerar o sumo do documento. Tudo o que está escrito pode ser usado como base para perguntas na defesa. Outra parte crítica é a mancha gráfica. Queremos um documento consistente e de fácil leitura. Para isso definimos uma paleta de cores para figuras e tabelas e respeitamos sempre o tamanho de letra e margens, mesmo que isso implique reescrever conteúdo e enviar parte para anexos.
A partir daqui é disciplina. O processo iterativo vai ser tanto mais intenso quanto mais ambicioso for o objetivo.
Quase a Entregar
Esta fase é, normalmente, a pior. É onde quase toda a gente está mais apertada, e não é surpresa. A maior parte das vezes deixamos as coisas para a última.
Por isso, faz sentido entregar o documento cedo o suficiente para uma última revisão do orientador. Eles também têm outras responsabilidades e, se não conseguirem rever o trabalho a tempo, ficamos sem margem para as correções finais. Idealmente vem um documento carregado de notas vermelhas com correções que nos falharam, sendo que é natural após tantas leituras nos passarem sempre os mesmos erros. Tipicamente, estas correções já não exigem muita energia se tivermos seguido a lógica de iteração ao longo do trabalho. Se tivermos oportunidade, pedimos também à nossa rede de contactos que dê uma vista de olhos.
Depois da entrega definitiva é importante marcar uma data que nos deixe preparar a defesa com calma. Nesta altura a nota está praticamente definida. Vamos lá discutir, na maioria das vezes, mais 1 ou menos 1 valor. Todo o trabalho que fizemos antes, desde o documento até ao interesse que fomos mostrando, já marcou significativamente a nota final.
Preparação da Defesa
Nesta fase o documento já está entregue e temos tudo o que precisamos para construir uma defesa que o reflete. Voltamos a olhar para a grelha de atribuição de notas para perceber o que os arguentes vão avaliar. Por falar neles, convém conhecer minimamente os professores arguentes, perceber o background de cada um e os pontos fortes dentro da área. Isto ajuda a adaptar a apresentação a quem a vai avaliar.
O passo seguinte é definir a estrutura dos slides. A apresentação deve mostrar o sumo daquilo que foi feito. Pessoalmente gosto de apresentações que quase não perdem tempo no estado da arte, que apenas introduzem o tema e o trabalho desenvolvido, mas isso fica ao critério de cada um.
O conteúdo dos slides deve servir para duas coisas ao mesmo tempo: ajudar a apresentar e servir de apoio na fase das perguntas. Depois dos slides oficiais faz sentido preparar alguns slides extra só para responder a perguntas que antecipamos. A ideia é estudar que perguntas ou lacunas podem surgir e preparar respostas antes, principalmente para aquilo que nos custa mais explicar. Outra estratégia interessante é deixar alguns pontos em aberto na apresentação para provocar perguntas que já temos estudadas.
Quando a apresentação base está pronta, é hora de treinar. Aqui não recomendo decorar texto. Prefiro uma abordagem mais natural, suportada pelo conteúdo dos slides. Se for possível, devemos ensaiar com várias pessoas e com o orientador, para receber feedback em diferentes aspetos. Se houver oportunidade, treinar no próprio local da defesa e ir ao fundo da sala para confirmar se gráficos e figuras se conseguem ler. Convém não esquecer de levar a dissertação impressa com as nossas notas para a defesa, vai dar jeito.
Outra questão é quem queremos ter na sala. Na minha experiência, ter o auditório com vida ajuda a dar seriedade ao momento e cria um ambiente favorável a notas mais altas. É óbvio que, quando estamos satisfeitos com o trabalho, dá gosto mostrar o que fizemos e isso também tem a sua importância.
Chegou o Dia
Aqui já está tudo pronto. Nesta altura não há mais nada em cima da mesa. O nervosismo que sentimos é sinal de responsabilidade e devemos estar conscientes de que temos de conviver com ele.
Vamos diretos ao objetivo, sabendo que falta cerca de 5% do trabalho. Falta a apresentação e uma tentativa de conversa sobre o que foi feito com o arguente. Chamo-lhe tentativa de conversa porque já o vivi e já o vi acontecer muitas vezes. Continua a ser pergunta e resposta, mas as melhores notas que vi apareceram quando essa troca foi mais fluida. Bastante antes de começar convém garantir que está tudo montado: verificar as ligações, os slides e confirmar que toda a gente nos ouve bem e que tomamos conta do palco.
Quando chega a hora, agradecemos a presença de quem lá está e seguimos. O palco é nosso, estamos ao leme do barco. O nervosismo costuma durar três slides e, a partir daí, vale a pena tentar aproveitar o momento e sorrir um bocado :)
Depois chegam as perguntas, que é a parte mais desafiante. Aqui a regra é calma e pensar antes de responder. Normalmente as perguntas mais difíceis não ficam para o início, para deixar o estudante ganhar momento e tentar criar alguma fluidez nas respostas.
Aproveito para partilhar como foi comigo. Na minha defesa diverti-me imenso, foi uma experiência incrível. Na primeira pergunta eu nem sabia bem a resposta, disse que precisava de pensar e que não tinha a certeza, e a nota foi boa na mesma, por isso não se preocupem se não souberem alguma coisa muito profunda. A partir daí senti que as perguntas criavam um flow, quase um diálogo cheio de rasteiras que me obrigavam a pensar, a sorrir e a responder. No meu caso as questões eram muito detalhadas, e faz sentido que assim seja quando o trabalho tem qualidade, as perguntas mais básicas deixam de fazer sentido. Lembro-me também de um momento em que me levantei com o computador e fui à mesa dos professores para explicar melhor uma resposta. Quem tem vergonha passa fome, este é um momento para tentar criar algum tipo de relação com o arguente, dentro do possível. Posso dizer que cerca de 70% das perguntas eu não tinha preparado antes, mas isso significa que os outros 30% estavam na ponta da língua.
Depois da defesa é esperar pela nota e fechar o capítulo.
Resumindo, é preciso ter Agência.
Espero ter ajudado, abraço e boa sorte :)